Poema Jet-Lagged

Waly Salomão


Viajar, para que e para onde,
se a gente se torna mais infeliz
quando retorna? Infeliz
e vazio, situações e lugares
desaparecidos no ralo,
ruas e rios confudidos, muralhas, capelas,
panóplias, paisagens, quadros,
duties free e shoppings . . . 

Grande pássaro de rota internacional sugado
pelas turbinas do jato.

E ponte, funicular, teleférico, catacumbas
do clube do vinho, sorbets, jerez, scanners,
hidrantes, magasin d'images et de signes,
seven types of ambiguity,
todas as coisas
perdem as vírgulas que as separam
explode-implode um vagão lotado de conectivos
o céu violeta genciana refletido
na agulha do arranha-céu de vidro
estações megalivrarias bouquinistes
la folie du voir bistrôs cinemas cidades
países inteiros engolfados no bueiro.
Alta cozinha e junk-food alternam-se.
O carnaval caleidoscópico das ruas
onde a dura liga metálica das línguas
se derrama no vigor demótico tatibitati
full of bullshit dos motherfuckers and
mothersuckers e fuck yourself up.
É de dia? É de manhã? É de tarde? É de noite?

Dormindo? Acordado? Sonâmbulo?
Diâmbulo ou noctâmbulo?
Como uma flecha, rasgar o regaço da língua
materna. Da cálida vagina, como uma flecha
disparada.
Como uma flecha: o multilingüismo é o alvo.
Busco "los papeles rotos de las calles"
e num retângulo da muralha de Girona tornado
dorso de um tigre para a algaravia de um Deus,
eis que decifro:

És quan dormo que hi veig clar!!!

E exubera o imanentismo mediterrâneo
carnalidade carpe diem pele cor mel de verniz
do Gran Torso de Tàpies Antoní Tàpies ao modo
de um Michelângelo do subsolo do Louvre
em Celebracio'de la mel. Destaque para la noche
oscura dos pêlos pubianos. "Pêlos pubianos",
assim fala Ana Ramis vestida num Kenzo
prêt-à-porter. "Pentelho" na minha faláspera.
O caos como um jogo de armar, um jigsaw
puzzle cósmico. O mundo como jogo
que se desarma. A lua verde-esmeralda
dos esgotos de Natintigou, Cotonou, Abidjan
salta de continente e brilha incontinente na tela
do rosto alvejado de gesso
da bicha Nossa Senhora das Ramblas
explorada por um gigolô cruel
e encurralada por handycams japonesas.
A rua é rua-rua ou realidade virtual interativa?

SCREEN SIGNALS

Use the information at the top of the screen
to plan your fighting strategies and
keep track of your progress . . .





—Indique-me sua direção, onde você se encontra
agora?
—Estou exatamente na esquina da Rua Walk com
a Rua Don't Walk.


As bestas relincham
e folheiam o Almanaque de Gotha
da velha nobreza poética.
O sol em extinção, as horas turvas e os espaços
em desordens são minhas matérias.
Fundo falso da bagagem da contrabandista.
Doce de goiabada cascão
com enchimento de cocaína.
Alfândegas e agentes alfandegários
enquanto espantalhos e espartilhos dessuetos
de um universo em erosão vorticista.
Habito meu nome legal ou contrabandeio
bárbaros e barbárie no meu bojo?
Traficar?
Trafico pitangas em chama, tiê-sangue,
camião de romeiros de Bom Jesus da Lapa,
a palavra OXENTE e galhos de ingazeiros.
O vinho raro que explodiu dentro da mala
e tingiu de tinto a camisa alva e cara da marca
"Comme des garcons".


E tudo:
             a mesma pasta que as minhocas da entropia
amalgamam num só composto.


Mas ficar, para que e para onde,
se não há remédio, xarope ou elixir,
se o pé não encontra chão onde pousar,
embora calçado no topatudo inglês
do Dr. Martens,
(a sensação de ter enfiado o pé na jaca)
se viajar é a única forma de ser feliz
e pleno?


Escrever é se vingar da perda.
Embora o material tenha se derretido todo,
igual queijo fundido.





Escrever é se vingar?
Da perda?
Perda?
Embora? Em boa hora.


1993