Improvável Natal
Rogério Zola Santiago
Da janela desliza o olhar
sobre e através telhados dos anos oitenta.
É Ouro Preto – inequívocos sangue and carvão
a sangue frio, lá onde a neve não jaz
e a chuva há muito parou de cair.
Ainda lembramos?
Terraço barroco, lua cheia, gafanhoto
berrando perdas e uma só lágrima
condicionada entre aquele tempo e uma brochura livresca –
dois amigos distanciados.
É aí que surge o carrinho de compras
voando no céu, a leiloar a perda da inocência,
para de súbito virar uma charrete sem renas,
espectro simples da contenção.
Parados, dois meninos aproveitam-se de
domadas alegorias, fantasmagorias sem fim.
Estórias de perda e glória, pois Elizabeth Bishop –
outro fantasma de janela - olha o bambá de couve na casa de Linda Nemer,
seu favorito prato em louça chinesa, enquanto o comemos.
"A cidade é a mesma", ela exclama, e "ainda tenho o mesmo nome!"
E tenta – em vão, pegar uma colher, um prato e um garfo.
Alma alquebrada, deveríamos deixar que ela provasse do vinho da vaidade dos
vivos, enquanto chorasse a Lota outro poema de remorso e gratidão?
"Quanto mais vos dou, mais vos devo". "Estou ainda chorando em inglês." Já é
tempo de os poemas chicotearem soluções separadas, –
sem cadência alguma.
"Aceite que tudo acabou."
"Nossas mães estão mortas". E se vai.
Delícias brasileiras (jamais retiradas do cenário)
apodrecem no local da festa. Todos já cresceram. Quem se atreveria a retirar a sopa
de couves-flores de cima do velho bordado, jogado cheiroso há décadas sobre a mesa para o encanto dos bem-vestidos convidados da Embaixada Americana? Sob
a casa, uma voz de mulher (sai de um rio que passa dentro) exige: "Ah, amada
Marianne Moore, "são pintos e não cacetes!". Membros sem pecado intrínseco.
Ainda sobre as telhas de terracota escrava,
a carruagem do Noel persiste e o Norte descarrila.
Nunca houve Natal algum, embora rapazes espertos
admirem por sobre os telhados um áureo negrume.
Um perdido Kissinger, outro personagem ausente que
se hospedou na mesma pousada, vai continuar ignorando os visitantes desta busca –
crianças intrometidas no teto exclusive
dos vencedores: nada somos.
Com os mortos de boa vontade,
da sombra rio dessas mãos que se tocam, jamais se dão –
pois que pulverizada é a estória delas e de Lili,
a proprietária do Pouso do Chico Rey, todos imaginação agonizada em 2007. Eu a
vi perecer de touca branca no limiar de uma TV em pulsação cinzenta e da vida,
envolta numa coberta de lã.
Adeus, por tanto tempo que dure,
adeus, tetos eternos da saudade,
a culpa é de ninguém,
pois o desejo interdito
arrisca-se and cai em vossos braços,
risca and outona em vossos beijos,
escorrega-se e cai de uma charrete
que arrasta crianças improváveis na escuridão.
sobre e através telhados dos anos oitenta.
É Ouro Preto – inequívocos sangue and carvão
a sangue frio, lá onde a neve não jaz
e a chuva há muito parou de cair.
Ainda lembramos?
Terraço barroco, lua cheia, gafanhoto
berrando perdas e uma só lágrima
condicionada entre aquele tempo e uma brochura livresca –
dois amigos distanciados.
É aí que surge o carrinho de compras
voando no céu, a leiloar a perda da inocência,
para de súbito virar uma charrete sem renas,
espectro simples da contenção.
Parados, dois meninos aproveitam-se de
domadas alegorias, fantasmagorias sem fim.
Estórias de perda e glória, pois Elizabeth Bishop –
outro fantasma de janela - olha o bambá de couve na casa de Linda Nemer,
seu favorito prato em louça chinesa, enquanto o comemos.
"A cidade é a mesma", ela exclama, e "ainda tenho o mesmo nome!"
E tenta – em vão, pegar uma colher, um prato e um garfo.
Alma alquebrada, deveríamos deixar que ela provasse do vinho da vaidade dos
vivos, enquanto chorasse a Lota outro poema de remorso e gratidão?
"Quanto mais vos dou, mais vos devo". "Estou ainda chorando em inglês." Já é
tempo de os poemas chicotearem soluções separadas, –
sem cadência alguma.
"Aceite que tudo acabou."
"Nossas mães estão mortas". E se vai.
Delícias brasileiras (jamais retiradas do cenário)
apodrecem no local da festa. Todos já cresceram. Quem se atreveria a retirar a sopa
de couves-flores de cima do velho bordado, jogado cheiroso há décadas sobre a mesa para o encanto dos bem-vestidos convidados da Embaixada Americana? Sob
a casa, uma voz de mulher (sai de um rio que passa dentro) exige: "Ah, amada
Marianne Moore, "são pintos e não cacetes!". Membros sem pecado intrínseco.
Ainda sobre as telhas de terracota escrava,
a carruagem do Noel persiste e o Norte descarrila.
Nunca houve Natal algum, embora rapazes espertos
admirem por sobre os telhados um áureo negrume.
Um perdido Kissinger, outro personagem ausente que
se hospedou na mesma pousada, vai continuar ignorando os visitantes desta busca –
crianças intrometidas no teto exclusive
dos vencedores: nada somos.
Com os mortos de boa vontade,
da sombra rio dessas mãos que se tocam, jamais se dão –
pois que pulverizada é a estória delas e de Lili,
a proprietária do Pouso do Chico Rey, todos imaginação agonizada em 2007. Eu a
vi perecer de touca branca no limiar de uma TV em pulsação cinzenta e da vida,
envolta numa coberta de lã.
Adeus, por tanto tempo que dure,
adeus, tetos eternos da saudade,
a culpa é de ninguém,
pois o desejo interdito
arrisca-se and cai em vossos braços,
risca and outona em vossos beijos,
escorrega-se e cai de uma charrete
que arrasta crianças improváveis na escuridão.