de O mundo mutilado
Prisca Agustoni
as notícias chegam
espalham-se no charco
do display, chegam
rolam pelo feed
ligeiras como colibris
269 dispersi nel mare di Lampedusa
e queimam a retina
*
as medusas chegam
provocam eczemas e paralisias
na pele exposta ao sol
com vertigens e náuseas
ao meio-dia
*
enquanto isso
entre falhas de conexão
também chegam as mensagens,
manchas de óleo insuspeitas
ressoam no inbox como moedas
no cofre de metal,
são amigos migrando no mundo
constelações
de afeto intermitente,
um fluxo irrefreável de notícias
e gente que parte
faíscam no iphone
asas fugazes
de um inseto que sai do casulo
*
dois destinos se avizinham
por um segundo ferem-se,
como feras que fingem
um sono manso
enquanto os corpos caem
os rostos caem
no charco do display
*
as notícias não param de chegar
androides sem alma
que invadem o quarto:
*
são 269 mortos no mar de Lampedusa
somando-se aos 653 já contabilizados
só esse ano, sem rosto ainda sem nome
são 269 os últimos não-chegados
*
enquanto isso
tantos rostos cintilam na tela
cada silêncio cada like cada perfil
queafunda no mar de níquel
*
cada balsa
que nem chegou a ser viagem
*
é possível morrer
duas, três, quatro
dez, dezenove vezes
da mesma morrida morte
*
a primeira ocorre
quando carrega-se
por dias
entre dias
entre as mãos
a terra natal
como filho natimorto
*
a segunda
quando por fim consegues
extirpar o que há de mais fundo
na memória
*
a terceira
quando a língua trinca
e esfacela-se
*
a quarta é quando esqueces
o cheiro da terra após a chuva
*
as outras mortes
se amontoam
como insetos
*
o difícil é descobrir
onde se esconde o inseto final
espalham-se no charco
do display, chegam
rolam pelo feed
ligeiras como colibris
269 dispersi nel mare di Lampedusa
e queimam a retina
*
as medusas chegam
provocam eczemas e paralisias
na pele exposta ao sol
com vertigens e náuseas
ao meio-dia
*
enquanto isso
entre falhas de conexão
também chegam as mensagens,
manchas de óleo insuspeitas
ressoam no inbox como moedas
no cofre de metal,
são amigos migrando no mundo
constelações
de afeto intermitente,
um fluxo irrefreável de notícias
e gente que parte
faíscam no iphone
asas fugazes
de um inseto que sai do casulo
*
dois destinos se avizinham
por um segundo ferem-se,
como feras que fingem
um sono manso
enquanto os corpos caem
os rostos caem
no charco do display
*
as notícias não param de chegar
androides sem alma
que invadem o quarto:
*
são 269 mortos no mar de Lampedusa
somando-se aos 653 já contabilizados
só esse ano, sem rosto ainda sem nome
são 269 os últimos não-chegados
*
enquanto isso
tantos rostos cintilam na tela
cada silêncio cada like cada perfil
queafunda no mar de níquel
*
cada balsa
que nem chegou a ser viagem
*
é possível morrer
duas, três, quatro
dez, dezenove vezes
da mesma morrida morte
*
a primeira ocorre
quando carrega-se
por dias
entre dias
entre as mãos
a terra natal
como filho natimorto
*
a segunda
quando por fim consegues
extirpar o que há de mais fundo
na memória
*
a terceira
quando a língua trinca
e esfacela-se
*
a quarta é quando esqueces
o cheiro da terra após a chuva
*
as outras mortes
se amontoam
como insetos
*
o difícil é descobrir
onde se esconde o inseto final